3/21/2006

Puxar o céu para baixo

Continuo a cavar. Neste momento dói-me o corpo todo, mas sinto-me satisfeita com os resultados. Não tenho fotografias para mostrar, porque queria esperar até a horta ficar toda verdinha, mas sou capaz de ainda tirar uma fotografia antes disso, só para verem os canteiros preparados e as árvores em flor.
Estes momentos de trabalho mais intensivo na horta têm-me permitido um maior contacto com os vizinhos.
Uma senhora de 86 anos que passava e me viu cavar, disse-me que sempre cavou, que ainda hoje cava um pouquinho e que isso só lhe fez bem. Encorajou-me a continuar a cavar e disse-me que "cavar é puxar o céu para baixo". Não conhecia esta expressão e achei muito bonita. Acho que além da referência óbvia ao movimento que se faz a cavar, a expressão tem também algum significado místico, pois ao trabalhar a terra o ser humano torna-se um intermediário entre as forças do céu (sol, chuva, vento, lua) e da terra. Mas se eu expusesse essa ideia à senhora, o mais certo era ela considerar-me maluquinha...
Um outro vizinho viu-me cavar e veio dar-me uma lição de como cavar correctamente e com o mínimo de esforço. infelizmente não nos entendemos muito bem pois ele insistia que a mão que aplica a força é a direita e eu insistia que apesar de não ser canhota, tenho mais força na mão esquerda. Incorporei alguns dos conselhos dele, mas continuo a cavar com as mãos "trocadas", porque a forma que ele me ensinou custa-me muito mais esforço.
E um terceiro vizinho viu-me cavar mesmo no limite do terreno que faz fronteira com o dele e veio interpelar-me com maus modos. Disse-me que eu não tinha nada que andar ali com a enxada, que aquele pedaço de terra (para aí 30 cms para lá da fronteira) lhe pertencia. Não gostei dos modos dele, mas como eu sou muito diplomata, mantive o meu sorriso e com voz cândida pedi-lhe desculpa, disse-lhe que ele tinha razão, mas que não se preocupasse pois não só eu não pretendia destruir-lhe a propriedade, como pretendia definir melhor a fronteira e plantar ali arbustos que reforçassem a estabilidade do solo e demarcassem claramente os limites do terreno de cada um. Aos poucos ele acalmou-se e pediu-me desculpa pela sua atitude. Disse-me que já tinha tido uma zanga com o dono anterior do terreno, pois este usou e abusou do que não era dele e daí ele já vir desconfiado das minhas intenções.
É impressionante este sentimento de posse que as pessoas sentem em relação à terra, que por vezes as leva a matar outras por meros 30 cms de terreno. No entanto, apesar de o repudiar, eu própria já provei desse sentimento.
Ainda não o mencionei, mas uma família vive no 2º andar da casa dos meus avós e apesar de eles só terem direito a usufruir do interior da casa, eles estão mais ou menos habituados a usar o espaço exterior sem restrições e sem autorização. Têm o hábito de usar o alpendre para estenderem roupa, de cavar a horta em busca de minhocas para a pesca e de espalhar ratoeiras e restos de comida para gatos pela horta fora. Têm filas de vasos com plantas em frente à casa (que gostaria que lá não estivessem, para que eu pudesse usar o espaço da forma que entender), mas como é algo positivo, tento não implicar com isso. Por fim têm o péssimo hábito de mexer nas minhas coisas: se coloco um vaso num sítio, da próxima vez está noutro, se encontro um bom local onde colocar sacas de terra, da próxima vez encontro-as empilhadas noutro local diferente, etc. Já lhes foi dito que não mexessem no que não lhes pertence e que se moderassem nas suas atitudes expansionistas, mas sem grandes resultados. Por isso às vezes dá-nos vontade de os expulsar dali para fora.
O meu instinto leva-me a desejar que eles desapareçam dali e que não mexam na "nossa" terra, mas eu quero ser melhor que isso, quero ser capaz de ultrapassar esse sentimento. Não quero ser como o meu vizinho do lado que ameaça os outros por causa de 30 cms de terra nua.
Por isso o melhor será tentar ter uma boa relação com eles. Estou esperançada que consoante eles forem vendo o meu projecto tomar forma, se sintam menos à vontade para mexer nas coisas sem autorização. Gostaria também de os envolver nos meus planos e transformá-los de "inimigos" a colaboradores. Uma vez que eles estão presentes todos os dias, podem melhor do que eu guardar o espaço, regar as plantas, observar se está tudo bem e o que precisa de ser feito.
Afinal de contas a Permacultura também trata de relações humanas, vida em comunidade, partilha de recursos e eu gostaria de desenvolver também essa faceta de permacultora, além das habilidades de horticultora. Mas isso será talvez a tarefa mais complicada, porque sou muito tímida, introvertida e bicho do mato e não tenho facilidade em relacionar-me com as pessoas que não conheço.

1 comentário:

  1. Anónimo18:18

    Demais seu blogger... e sua vida também e o que vocÊ esta fazendo então sem comentarios.

    É demais tudo aqui.

    Te achei quando procurava informações sobre permacultura.

    Bom... vou ler mais um pouco Ok?! rs sr rs

    Abraço e tudo de bom.

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